História do Fado - Parte 2
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FADO de COIMBRA


Muito ligado às tradições académicas da respectiva Universidade, o Fado de Coimbra tem as suas origens nos estudantes de todo o país que levavam as suas guitarras para Coimbra e, como ainda hoje se assiste, é exclusivamente cantado por homens e tanto os cantores como os músicos usam o traje académico: calças e batina pretas, cobertas por capa de fazenda de lã igualmente preta. Canta-se à noite, quase às escuras, em praças ou ruas da cidade. O local mais típico é na praça junto ao Mosteiro da Sé Velha. Também é tradicional organizar serenatas, em que se canta junto à janela da casa da dama que se pretende conquistar.
Serenata Monumental da Queima das Fitas de Coimbra 2016
O Fado de Coimbra é acompanhado igualmente por uma guitarra de Coimbra e uma guitarra clássica (também aqui chamada "viola"). No entanto, a afinação e a sonoridade da guitarra portuguesa em Coimbra é diferente da do fado de Lisboa na medida em que as cordas são afinadas um tom abaixo, e a técnica de execução é diferente por forma a projetar o som do instrumento nos espaços exteriores, que são o palco privilegiado desta canção. Também a guitarra clássica se deve afinar um tom abaixo. Esta afinação pretende transmitir à música uma sonoridade mais soturna, relativamente ao Fado de Lisboa.


Um dos nomes clássicos do fado de Coimbra foi Augusto Hilário, estudante universitário que se revelou um apaixonado pela boémia coimbrã, notabilizando-se como cantor de fado e executante de guitarra. Os seus fados correram o país de lés a lés, ficando imortalizado o "Fado Hilário". A sua actividade de fadista e trovador era conhecida pelo país inteiro, em particular na Academia Coimbrã onde era o “Rei da Alegria”. O seu esmerado trato e a sua cordialidade faziam dele o grande animador dos serões académicos. Nos seus fados, interpretou poemas de Guerra Junqueiro, António Nobre, Fausto Guedes Teixeira, para além dos que ele próprio criou.
"Fado Hilário" - Serenata dos Antigos Estudantes (Julho 2014)
Grupo de Fados "Fado ao Centro" / Voz: João Farinha
Guitarras: Octávio Sérgio e Luís Barroso / Violas: Luís Carlos Santos e Paulo Larguesa

A música e a letra do fado "Samaritana" são ambas de Álvaro Cabral que, além de compositor e de ser um boémio muito espirituoso e bom conversador, foi um excelente actor e autor de revistas e de letras de fados. Tinha 53 anos e era primeiro actor e director de cena da companhia que trabalhava no Teatro Nacional de São João, do Porto, quando morreu. Este fado-canção, embora não seja propriamente um Fado de Coimbra, foi gravado em Fevereiro de 1928, no Porto, por Edmundo Bettencourt, acompanhado à guitarra por Artur Paredes e Albano de Noronha e, à viola por Mário Faria da Fonseca, tornando-se um dos mais populares "fados" de Coimbra.
"Samaritana" (Letra & Música: Álvaro Cabral)

Outro popular intérprete e compositor da Canção de Coimbra foi António Menano. Ingressou no curso de Medicina da Universidade de Coimbra em 1915 e abraçou a paixão pelo fado de Coimbra, que tão enriquecido ficou com a harmonia da sua voz. Nesse mesmo ano, em Aveiro, sobressaiu com a interpretação de um fado num Sarau organizado pela Associação Académica de Coimbra, e que contou com a participação da Tuna e do Orfeon. Outro momento relevante foi quando António Menano cantou um trecho de “Os Lusíadas”, musicado por Dr. Elias de Aguiar, no âmbito da festa de homenagem a Camões, ocorrida em Coimbra nesse mesmo ano.
Reconhecido como uma das mais importantes vozes de Coimbra, mesmo após a saída do circuito artístico, António Menano “De tempos a tempos aparecia em Coimbra e acabava sempre a cantar, fazendo-o em qualquer sítio, desde que isso se proporcionasse" No dia 12 de Setembro de 1969, um dia depois da sua morte, o “Diário de Notícias” comunicava da seguinte forma: “A melhor e mais romântica voz de Coimbra, calou-se para sempre."
"Fado do Alentejo" - Pedro Couceiro (1980) / Letra e Música: António Menano
Guitarras: Frias Gonçalves, Carlos Couceiro, Francisco Vasconcelos / Violas: Ferreira Alves e Carlos Figueiredo

Edmundo Bettencourt, nascido no Funchal, foi um cantor e poeta notavelmente conhecido por interpretar Fado de Coimbra e pelo seu papel determinante na introdução de temas populares neste género musical. Notabilizou-se pelo tema "Saudades de Coimbra", o qual é ainda hoje uma referência da música portuguesa universitária. Edmundo Bettencourt ganhou grande notoriedade como cantor no ano de 1923, ao lado do guitarrista Artur Paredes que entretanto conheceu e de quem ficou muito amigo. A sua estreia pública em palcos ocorreu em Março desse ano, em Viseu, numa digressão da Tuna, a que se seguiu a Figueira da Foz, onde cantou fados do compositor Fortunato Roma da Fonseca. Os seus êxitos continuaram e veio a integrar, com António Menano e Artur Paredes, o Grupo de Fados na digressão da Tuna e Orfeon por terras de Espanha, em Abril desse mesmo ano. Nos anos seguintes creditou-se como um dos mais notáveis cantores do Fado de Coimbra.
"Saudades de Coimbra" (de Edmundo Bettencourt) - Grupo de Fado Amanhecer / Letra: António de Sousa / Música: Mário Maria da Fonseca
Guitarras: Diogo Mendes, Rui Freitas / Violas: João Ferreira, Hugo Abrantes / Vozes: Pedro Ventura, João Moreno, André Lucas

Depois de frequentar o Liceu Alexandre Herculano, no Porto, Adriano Correia de Oliveira matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1959. Iniciou-se no fado com Eduardo Melo, quando começou a assistir aos seus ensaios. Adriano tinha uma voz suave e triste, mas apesar de tudo potente. Viveu na Real República Ras-Teparta, foi solista no Orfeon Académico, membro do Grupo Universitário de Danças e Cantares, actor no CITAC, guitarrista no Conjunto Ligeiro da Tuna Académica e jogador de voleibol na Briosa. Na década de 1960 aderiu ao Partido Comunista Português, envolvendo-se nas greves académicas de 1962, contra o salazarismo. Foi feito Comendador da Ordem da Liberdade em 1983 e Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 1994, ambas as condecorações a título póstumo.
"Trova Do Vento Que Passa" - Adriano Correia de Oliveira
Letra: Manuel Alegre / Música: António Portugal

Nascido em Aveiro em 1929, José Afonso morou em Angola e Moçambique antes de ir morar para Belmonte. Frequentou a Faculdade de Letras de Coimbra, e integrou o Orfeão Académico de Coimbra e a Tuna Académica da Universidade de Coimbra, onde se revelou um intérprete especialmente dotado na canção de Coimbra, tendo assimilado o ambiente de mudança que, naquela altura, se estava a começar a manifestar naquela cidade. Foi uma figura central do movimento de renovação da música portuguesa que se desenvolveu entre a década de 1960 e de 1970, sendo dele originárias as famosas canções de intervenção, de conteúdo de esquerda, contra o Regime. Zeca Afonso, como era conhecido, ficou indelevelmente associado ao derrube do Estado Novo, regime de ditadura Salazarista vigente em Portugal entre 1933 e 1974, uma vez que uma das suas composições, "Grândola, Vila Morena", foi utilizada como senha pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), comandados pelos Capitães de Abril, que instaurou a democracia, em 25 de Abril de 1974. Documentário ▼
"Inquietação" - José Afonso / do LP "Fados de Coimbra e outras canções" (1981)
Letra: Edmundo Bettencourt / Musica: Alexandre Resende

Luiz Goes nasceu em Coimbra, e, por influência de seu tio Armando do Carmo Goes, figura destacada da Canção de Coimbra, cedo começou a interpretá-la, e, aos 19 anos, a convite de António Brojo, gravou o seu primeiro disco. No final da década de 1950, formou o Coimbra Quintet, com os músicos António Portugal, Jorge Godinho, Manuel Pepe e Levi Baptista, gravando o álbum Serenata de Coimbra, um dos albuns portugueses mais vendidos de sempre. Em 1958 licenciou-se em Medicina, na Universidade de Coimbra e exerceu a profissão de médico-estomatologista até à sua reforma, em 2003. Fado, toada, balada, canção. Luiz Góes, atravessou uniformemente os diferentes géneros da canção de Coimbra com um fio condutor: a sua voz inconfundível de barítono ao serviço de um conjunto de temas criteriosamente escolhidos ou criados. Foi condecorado com a Ordem do Infante Dom Henrique, no grau de Grande Oficial em 1994, com a Medalha de Ouro da cidade de Coimbra em 1998, com a Medalha de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Cascais e com o Prémio Amália Rodrigues 2005, na categoria Fado de Coimbra. Faleceu a 18 de Setembro de 2012. Entrevista com Luiz Goes ▼
"Romagem à Lapa" - Luiz Goes (Aula Magna 1989)
Músicos: António Portugal, António Brojo, Rui Pato, Aurelio Reis, Luis Filipe

Foi um dos grandes guitarristas e é um símbolo ímpar da cultura portuguesa. É um dos principais responsáveis pela divulgação e popularidade da guitarra portuguesa e grande compositor. Carlos Paredes é um guitarrista que para além das influências dos seus antepassados - pai, avô, e tio, tendo sido o pai, Artur Paredes, o grande mestre da guitarra de Coimbra - mantém um estilo coimbrão, a sua guitarra é de Coimbra, e própria afinação era do Fado de Coimbra. A sua vida em Lisboa marcou-o e inspirou-lhe muitos dos seus temas e composições. Ficou conhecido como O mestre da guitarra portuguesa ou O homem dos mil dedos. Documentário ▼
"Verdes Anos" - Carlos Paredes

Fernando Machado Soares nasceu na Ilha Pico, nos Açores, sendo descendente do último Capitão-Mor das Lajes do Pico. Licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na década de 1950. Após ter concluído o curso superior, suspendeu durante alguns anos a sua actividade artística. Porém, acompanhou o Orfeão Académico de Coimbra aos Estados Unidos (1962), onde cantou com êxito em Nova York (Lincoln Center), Boston, Chicago e Atlanta. Participou ainda num programa televisivo da NBC. Autor de diversos temas célebres, entre eles a "Balada da Despedida do 6º Ano Médico" (1958); co-autoria de Francisco Bandeira Mateus. Fernando Machado Soares, que foi juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, recebeu em 2006 o Prémio Tributo Amália Rodrigues “pela excelência da carreira artística e dedicação aos outros”.
"Balada da Despedida do 6º Ano Médico de 1958" - Fernando Machado Soares
Guitarras: Fontes Rocha e Ricardo Rocha / Violas: Manuel Martins e Carlos Manuel

A canção "Coimbra", composição de Raul Ferrão, apareceu pela primeira vez no filme "Capas Negras" na voz de Amália Rodrigues, sendo um de seus fados mais conhecidos internacionalmente. Em 1947 foi feita um versão em inglês, "April in Portugal" por Jimmy Kennedy. Antes, porém, a canção tinha já tido a sua apresentação internacional pela voz do tenor Luís Piçarra. Em 1954, este tema atingia o primeiro lugar nos tops de vários países, incluindo os Estados Unidos da América, pela voz de Amália Rodrigues. Em 2004 foi editado um CD com 24 versões da canção. Esta tornou-se a canção mais conhecida acerca de Coimbra.
"Abril em Portugal" - Amália Rodrigues (no programa de Eddy Fisher, em 1953)

A tradição académica da Queima das Fitas tem a sua origem em Coimbra, onde durante vários meses se desenvolvem actividades culturais e desportivas juntando toda a academia e os seus estudantes, na maioria das universidades é uma semana festiva que acontece todos os anos durante o mês de Maio. Entre diversas actividades, estão a serenata estudantil, onde o fado é parte integrante, os concertos musicais e o cortejo académico.
Balada de Despedida do 5º Ano Jurídico 88/89 - Queima das Fitas Coimbra 2013
Letra: António Vicente / Música: João Sousa & Rui Lucas

[FONTES]: Museu do FadoBiografia de Edmundo BettencourtBiografia de José Miguel BaptistaFado SamaritanaFado da Cidade dos Estudantes • | Imagens: Fadistas de Coimbra © ARCUMGuitarra de Coimbra © José Lúcio InstrumentsAugusto Hilário no blog "Notas e Melodias"António Menano no blog "Sobre o Risco"Edmundo Bettencourt no blog "O Mundo Maravilhoso do Som Analógico"Adriano Correia de Oliveira no site da Vila de AvintesAmália Rodrigues na AmazonFernando Machado Soares no blog "A Nossa Rádio"Carlos Paredes no site "O Ribatejo"Alvaro Cabral no blog "Guitarra de Coimbra IV"José Afonso na VisãoLuiz Goes no RTP NotíciasLogotipo adaptado do site sevenmuses.pt
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