História do Fado - Parte 1
1

ORIGENS em LISBOA


A origem histórica do fado é incerta. Não é uma importação. É o resultado de uma fusão histórica e cultural que ocorreu em Lisboa. Surge na segunda metade do século XIX, embalado nas correntes do romantismo: melopeia exprimindo a tristeza de um povo, a sua amargura pelas dificuldades que vive, mas capaz de induzir esperança. Contaminando mais tarde os salões da aristocratas, tornar-se-ia rapidamente expressão musical tipicamente portuguesa.

As tabernas, primordialmente, eram palco de encontros de fidalgos, artistas, trabalhadores das hortas, populares e estrangeiros, que se reuniam em noites de fado vadio, ou seja, o fado não profissional. É com a penetração da fidalguia nos bairros do castelo, com a presença constante de cavalheiros e fidalgos titulares, que o fado se toca ao piano em salões aristocráticos. Os nobres que se aventuravam naquele ambiente bairrista foram traduzindo as melodias da guitarra para as pautas das damas chiques que até ali só investiam em modinhas. Passada a década de 1880, torna-se o fado assíduo nesses salões. Por outro lado, as guerras civis dos meados do século criaram um clima de insegurança, que envolveu vicissitudes na vida parlamentar e política, provocando um maior apego popular ao fado.

A primeira cantadeira de fado de que se tem conhecimento foi Maria Severa Onofriana que cantava e tocava guitarra nas ruas da Mouraria, especialmente na Rua do Capelão. Conta-se que percorria os bairros populares de Lisboa, e a sua voz animava as noites de muitas tertúlias bairristas, tabernas ficaram famosas só pela sua presença. Teve vários amantes conhecidos, entre eles o Conde de Vimioso que, segundo a lenda, era enfeitiçado pela forma como cantava e tocava guitarra, levando-a frequentemente à tourada. Proporcionou-lhe grande celebridade e naturalmente permitiu a Severa um maior prestígio e número de oportunidades para se exibir para um público de jovens oriundos da elite social e intelectual portuguesa.


Mas é com início do século XX que nasce Ercília Costa, uma fadista quase esquecida pelas vicissitudes do tempo, que foi a primeira fadista com projecção internacional e a primeira a galgar fronteiras de Portugal. Foi actriz de revista e cinema, compositora e fadista e foi a primeira fadista portuguesa com uma projecção que transportou aos palcos de Hollywood. Tornou-se popular na primeira metade do século XX, tempos em que recebeu as alcunhas de “Sereia peregrina do Fado”, “Santa do Fado” e “Toutinegra do Fado”, mas o seu nome é hoje pouco recordado pois as gravações discográficas que realizou são anteriores à década de 50, altura em que o discos gravados começaram a popularizar-se em Portugal. Documentário ▼
Ercília Costa - Fado do Passado
Letra: M. de Lencastre / Música: V. Bastos


Os temas mais cantados no fado são a saudade, a nostalgia, o ciúme, as pequenas histórias do quotidiano dos bairros típicos e as lides de touros. Eram os temas permitidos pela ditadura de Salazar, que permitia também o fado trágico, de ciúme e paixão resolvidos de forma violenta, com sangue e arrependimento. Letras que falassem de problemas sociais, políticos ou quejandos eram reprimidas pela censura.

Nos anos trinta, Alfredo Marceneiro trabalhava nos estaleiros da CUF, onde fazia móveis para navios. Dividia o seu tempo entre as canções e o trabalho. A sua presença nas festas organizadas pelos operários era sempre motivo de alegria e a sua popularidade foi aumentando com o passar dos anos. A 3 de Janeiro de 1948, foi consagrado o Rei do Fado no Café Luso. Acabou por marcar uma época, detentor de uma voz inconfundível tornando-se um marco do Fado em Portugal. Documentário ▼
Alfredo Marceneiro - É tão bom ser pequenino
Letra: Linhares Barbosa


Berta Cardoso é uma fadista de referência da "época de ouro" do fado, a cantadeira que "chegou, cantou e venceu" e que foi desde logo considerada a "loucura dos fadistas". Cantou pela primeira vez, em público, no Salão Artístico de Fados, acompanhada por Armandinho; o sucesso foi tal que foi logo convidada para integrar o elenco da casa, o que não se concretizou por de ter apenas 16 anos. Foi, no entanto, a Espanha gravar o seu primeiro disco e em 1930 foi notícia de primeira página do "Guitarra de Portugal". Berta Cardoso tinha uma dicção irrepreensível e uma voz privilegiada, tendo ficado conhecida como "A voz de oiro do fado". A sua ascensão artística é meteórica, passando, de imediato, do anonimato a primeira figura da canção nacional. Durante as décadas de 30, 40 e 50, teve uma notável carreira que dividiu entre os palcos das casa de fado e dos teatros de revista.
Berta Cardoso - Fado Antigo


Mostrando desde cedo uma grande aptidão para o Fado, Maria Teresa de Noronha começou por cantar em festas de família e amigos. Depois que passou a atuar nos retiros de Fado tornar-se-ia a ser conhecida a sua expressão artística, ganhando muitos admiradores autênticos, entre eles, vários conhecedores do Fado. Em 1939 grava o seu primeiro álbum "O Fado dos Cinco Estilos". Um ano antes já a Emissora Nacional convidara Maria Teresa a atuar, tendo sido acompanhada pelo guitarrista Fernando Freitas e pelo violista Abel Negrão, numa apresentação aos ouvintes feita por D. João da Câmara. O êxito obtido levou-a a iniciar o programa semanal Fados e Guitarradas, que foi um substituto do programa de fados Retiro da Severa e esteve no ar 23 anos seguidos. A sua dicção, a sua maneira de se expressar, a forma como dominava as figurações intrincadas como os pianinhos e os roubados tornou-a criadora de um estilo muito próprio, que fez escola e está relacionada com o chamado fado aristocrático.
Maria Teresa de Noronha - Desengano
Letra: Mário Piçarra / Música: José Marques
Guitarras: Raul Nery, Carlos Gonçalves, Joel Pina e Júlio Gomes / Viola: Joaquim do Vale


Chegou a ser aprendiz de costureira cedo Hermínia Silva começou a interessar-se por uma vida artística. Frequentadora da Sociedade de Recreio Leais Amigos, acabou por se inscrever no grupo como amadora na arte de representar, em 1925, tendo cantado os primeiros fados acompanhada ao piano. Cedo se tornou presença notada nos retiros de Lisboa, que não hesitaram em contratá-la, pela originalidade com que cantava o Fado. Em 1929 estreava-se numa revista do Parque Mayer. Era a primeira vez que o Fado vendia bilhetes na Revista. Alguns jornais da época, referiam-se a ela, como a grande vedeta nacional, chegando a afirmar-se, que a fadista tinha "uma multidão de admiradores fanáticos". A sua melismática criativa, a inclusão no Fado, de letras menos tristes, por vezes com um forte cunho de crítica social, e o seu empenho em trazer para o Fado e para a guitarra portuguesa, fados não tradicionais, compostos por maestros como Jaime Mendes, compositores como Raul Ferrão, criando assim o chamado fado musicado, aquele fado cuja música corresponde unicamente a uma letra, se bem que composto segundo a base do Fado, e em especial, tendo em atenção as potencialidades da guitarra portuguesa. Documentário ▼
Hermínia Silva - A Tendinha
Letra: José Galhardo / Música: Raul Ferrão
Homenagem a Hermínia Silva no Teatro S. Luís (1980)


Em 1937, com apenas nove anos de idade Fernando Farinha começou a cantar o Fado e participou em representação do bairro da Bica num concurso inter bairros, o que lhe valeu o subtítulo que ficou por toda a sua vida - o "Miúdo da Bica". Quando tinha 11 anos o seu pai faleceu e, com uma licença especial e ajuda do empresário José Miguel, Fernando Farinha tornou-se fadista profissional, contribuindo com os seus cachets para o sustento familiar. Após a passagem pelos palcos e o lançamento do seu primeiro disco, Fernando Farinha volta a apresentar-se no circuito de diversas casas típicas em Lisboa. A sua primeira digressão foi ao Brasil com 23 anos, onde permanece por quatro meses, contratado para actuar na “Taverna Lusitana”, na Rádio Record e na TV Tupi de São Paulo. Em 1960 ganha o concurso "A Voz Mais Portuguesa de Portugal" e, no mesmo ano, festeja as suas Bodas de Prata artísticas, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, e depois no Palácio de Cristal, no Porto. Em 1963 protagoniza dois filmes “O Miúdo da Bica” e “A Última Pega”, sendo coroado no ano anterior «Rei da Rádio» pela revista «Flama», coisa que nunca tinha acontecido a quem cantasse o fado.
Lucília do Carmo e Fernando Farinha - Desgarrada
A estreia de Lucília do Carmo como fadista aconteceu no "Retiro da Severa", no ano de 1936, quando apenas contava 17 anos, na presença dos proprietários e empresários das mais típicas casas de fado de Alfama, Bairro Alto e Mouraria, tipicamente os três bairros fadistas de Lisboa. A sua presença em palco e voz captaram as atenções do público e o reconhecimento veio rapidamente. Em 1939, nasce o seu filho Carlos do Carmo que, influenciado pela sua mãe, mais tarde se tornaria num grande fadista, com uma bem sucedida carreira nacional e internacional. Em 1947 abriu a sua própria casa de fados, chamada "Adega da Lucília", que mais tarde mudou o nome para "O Faia", localizado no Bairro Alto. Atraiu para o local alguns dos seus amigos, como Alfredo Marceneiro e Tristão da Silva. Ary dos Santos, que frequentava O Faia, disse da fadista «Lucília do Carmo é, quanto a mim, um clássico do fado!». Na década de 1980, retirou-se da vida artística. Indubitavelmente, uma dama do fado corrido, tida como uma das melhores vozes do fado.


Alfacinha de gema, Carlos Ramos tornou-se num dos fadistas mais queridos do público português, graças à sua voz quente e à sua postura modesta e discreta - e ao anormal número de grandes êxitos que teve, aliás ligados à popularidade crescente do disco e da televisão, meios de comunicação que explorou com grande sucesso no início da década de sessenta. Contudo, apesar de a sua apetência pelo fado vir de criança, só tardiamente Carlos Ramos o abraçou como carreira a tempo inteiro.
Carlos Ramos - Quadras soltas


Durante um período de três anos, aos fins-de-semana, Fernando Maurício cantava em locais como o "Café Latino", o "Retiro dos Marialvas", o "Vera Cruz" ou o "Casablanca" no Parque Mayer. Com 17 anos interrompeu a actividade a que voltaria apenas 4 anos mais tarde, no conhecido "Café Luso". Actuou depois em outras casas como a "Adega Machado" e "O Faia". Nos anos sessenta e setenta foi a vez de outras casas de fado como a "Nau Catrineta", a "Kaverna", o "Poeta", a "Taverna d'El Rey" e novamente, o "Café Luso". Estas casas conquistaram novos públicos com as suas actuações e passou a ser apelidado de "Rei do Fado". Em 1969 recebeu o "Prémio da Imprensa". Com Francisco Martinho obteve grandes êxitos. Estiveram contratados na "Adega Mesquita", onde cantavam desgarradas e a solo. Detentor de uma voz genuína e arreigado às suas raízes lisboetas, é considerado por muitos conhecedores da especialidade como o maior fadista da sua geração. São vários os fados que celebrizou entre eles a "Igreja de Santo Estêvão", com composição de Gabriel Oliveira e Joaquim Campos. Homenagem Póstuma ▼
Fernando Maurício - Igreja de Santo Estêvão
Letra: Gabriel d'Oliveira / Música: Joaquim Campos
Grande Noite do Fado (1996)


Com oito anos, Maria Amélia Proença recebia a «Taça Amália Rodrigues» das mãos da fadista Ercília Costa. A imprensa da época fazia ecos da sua "graça própria" e "expressão verdadeira". Com a mesma expressividade, ainda conta hoje a fadista, dona de uma vitalidade e firmeza, para além de uma portentosa voz, mesmo com mais de setenta anos. Participou nos elencos de quase todas as casas de fado da noite lisboeta, incluindo Adega Machado, onde se cruzou com fadistas mais jovens, como Mariza, tendo sido uma importante influência na aprendizagem desta. As suas digressões já incluíram passagens por Singapura, Macau e Japão, Países Baixos, Alemanha, França, Cabo Verde e Angola. Documentário ▼
Maria Amélia Proença - Madragoa
Letra: João Bastos / Música: Frederico Valério
Guitarra portuguesa - José Luís Nobre Costa / Viola de fado - Carlos Manuel Proença

[FONTES]: Museu do FadoFado na wikipediaPortal do Fado | Imagens: "O Fado" de José Malhoa @ wikipedia"Maria Severa" de Francisco Metrass @ wikipediaErcília Costa @ Noticias da GandaiaCartaz Ercília Costa © Museu do fadoAlfredo Marceneiro @ Lisboa no GuinnessBerta Cardoso @ Lisboa no GuinnessCartaz Berta Cardoso © Museu do FadoMaria Teresa de Noronha @ musplanet1.narod.ruHermínia Silva @ blog "Fado de Herminia Silva"Fernando Farinha @ Desenvolturas e DesacatosLucília do Carmo @ Miradouro de VilacovaCarlos Ramos @ Lisboa no GuinnessFernando Maurício @ FotologMaria Amélia Proença © Parreirinha de AlfamaLogotipo adaptado do site sevenmuses.pt
1

Sem comentários:

Enviar um comentário